A soma dos algarismos que compõem este ano resulta no número 4 (2+0+2+0), mas para mim é inevitável ver a força do número 20, que aparece duas vezes em 2020. No tradicional tarô de Marselha, o número 20 corresponde à carta do Julgamento, onde temos a imagem de um anjo tocando uma trombeta, acordando os vivos e aqueles que aparentemente estavam mortos. Acredito que a pandemia que estamos vivendo seja essa trombeta, não sendo possível ignorá-la, despertando aquilo que está morto ou dormente dentro de nós. Relações estão sendo restabelecidas, estamos querendo saber notícias sobre pessoas que há muito não tínhamos contato, pessoas "mortas" em nosso cotidiano. O que estava cristalizado volta a se mover pela necessidade do momento.
No Julgamento somos convidados a acordar de nossa dormência, seja ela qual for, e olharmos para o que acontece ao nosso redor. Apenas juntos poderemos vencer essa pandemia, mas são nossos esforços individuais que farão diferença. O próprio vírus também foi acordado de sua dormência, ao sair da vida selvagem para ganhar nova vida nos corpos humanos. O Julgamento nos diz que todos somos responsáveis: podemos não ser culpados pela doença, mas somos responsáveis pelo contágio.
Na imagem da carta as pessoas se saúdam com respeito e uma certa distância, vendo se erguer do túmulo aquele que já havia partido: vamos então acolher aqueles que considerávamos que já não faziam mais parte de nossas vidas, ou talvez que nunca tenham feito parte... Interessante também ver como essas figuras se saúdam, muito semelhante às recomendações atuais de distanciamento social, não é mesmo? Essas pessoas estão nuas e, quando aparecem figuras assim no tarô, significa que estamos sendo vistos como somos, sem disfarces. Estamos todos nessa juntos, estamos todos nus e igualmente expostos. Diante dessa pandemia não há o que nos proteja, a não ser nós mesmos e nosso comportamento.
No entanto, esse soar da trombeta não deve ser visto como uma punição mas como um chamado necessário, nos alertando para o que é importante ver nesse momento. Quanto antes nos prontificarmos a atender esse chamado mais cedo as mudanças irão ocorrer. É natural que o medo surja, mas é igualmente importante não nos paralisarmos diante dele. Cautela sim, paralisia não, pois esta só retardará o inevitável. À medida em que nos movermos em direção às mudanças, incorporaremos os aspectos necessários ao nosso aprendizado e evolução.
Nosso movimento físico está também sendo bastante limitado, nos deixando a sós com nossos pensamentos e sentimentos. Neste arcano existe a promessa de um novo tempo, mas não sem antes passarmos pela necessária transformação da consciência. O novo tempo virá como consequência de como lidamos com o que está acontecendo agora. É preciso despertarmos para essa nova realidade. A mudança anunciada nesta carta não é superficial mas sim profunda, individual e coletivamente. Está sendo necessário reinventar um modo de viver com uma doença mortal à solta no mundo, até o momento sem cura. O início desse processo é difícil, até mesmo por nos pegar de surpresa, mas a tendência é que essa situação se estabilize e seja superada, mas não sem antes atendermos ao chamado. E o chamado para cada um de nós certamente é diferente. Pode significar resolver situações passadas que achávamos já estarem resolvidas. Pessoas retornarem em nossas vidas. Retomada de capacidades e talentos pessoais que, por algum motivo, colocamos de lado.
Este período de recolhimento pode ter muito a nos ensinar. É uma oportunidade de percebemos melhor o local onde estamos e talvez de colocar aí algumas mudanças na prática. Ao sairmos diariamente de casa e não enfrentarmos possíveis situações que nos incomodam, vamos apenas adiando nossa felicidade. A hora é essa, de enfrentar com coragem o mundo ao nosso redor. De colocar ordem na nossa casa interior. De deixarmos para trás aquilo que não serve mais. É momento de desapego: não é possível encher um copo que já está cheio, onde o novo não tem espaço para entrar.
Mas qualquer que seja a restrição que este arcano traz, ele também traz consigo a promessa de novos e melhores tempos. Mas, como disse, não sem antes passarmos pelo aprendizado necessário. A introspecção pode ajudar, e muito, na cura individual. De acordo como o conhecimento do Jin Shin Jyutsu® Fisio-Filosofia, o mau funcionamento do aparelho respiratório (bastante afetado por essa doença) está associado à tristeza. Fiquemos então atentos ao que acontece no nosso interior, que mágoas ainda carregamos e o que podemos fazer para transmutar sentimentos do passado. Se pudermos identificar o que nos deixa tristes, este pode ser um primeiro passo em direção à cura, não apenas individual mas coletiva. Quando ficamos tristes podemos ficar presos a este sentimento, o que fisicamente pode significar também prender os intestinos. Deixar ir é um caminho para cura nesse momento.
É tempo de cura das feridas, de perdão. Vamos perdoar em primeiro lugar a nós mesmos, se não tivemos a consciência que queríamos no passado, transformando em acolhimento o que hoje chamamos de arrependimento. A trombeta soa alto, não sendo possível ignorá-la, assim como não podemos ignorar a pandemia em que nos encontramos. É preciso ser responsável não apenas por si, mas pelos outros também. É fundamental termos mais consciência do coletivo, de como nossas ações afetam os outros. Se eu me contamino posso contaminar alguém mais, inclusive aqueles que amo, pois o contágio não afeta apenas a nós mas todos aqueles com quem temos contato físico. No entanto, é possível despertar para o contato de forma segura através do som (lembra da trombeta?) e da imagem: graças à tecnologia atual, podemos manter distância física das pessoas e ainda assim estarmos próximos.
As figuras na carta também parecem estar em estado de oração: nossa conexão espiritual pode ser de grande ajuda para manter a calma diante dessas mudanças repentinas e radicais. Mas as crises são necessárias, são nesses momentos em que é possível fazer uma análise mais profunda de nossas vidas, e essa crise global não é diferente. Nada é totalmente ruim ou bom, somos nós que damos o tom. Vejamos esta crise como uma oportunidade única de repensarmos nossos caminhos. E já que estamos sendo forçados a mudanças, mudemos então! Uma nova era está se estabelecendo e ela não vem sem mudanças. É melhor andar a favor do fluxo, lutar contra pode ser desgastante e infrutífero.
Estamos na cúspide da tão falada Era de Aquário, e o que estamos vivendo agora é grupal e global como a energia deste signo. O planeta Saturno também acaba de entrar em Aquário, anunciando um período de maior responsabilidade com o coletivo. É preciso sairmos de nosso pequeno mundo individual e individualista e olharmos para os lados para ver o que está acontecendo e como podemos interagir para o bem comum. No tarô de Thoth de Aleister Crowley (baralho que uso nas consultas) esta carta é chamada de Éon ou Nova Era. A transição leva tempo e estamos no meio dela. Todo este século tem o número 20 (até que a humanidade chegue em 2100) e esse é o tempo mínimo que a transição irá durar. Temos a chance de participarmos ativamente desta transformação, então vamos aproveitar a oportunidade e seguirmos com ela. Por algum motivo somos nós que estamos aqui, então vamos fazer o melhor possível diante das circunstâncias.
"Chegou o momento de responder ao chamado. É um período de finalizações e novos propósitos. É hora de ser receptivo à mudança. É favorável abraçar as oportunidades que surgirem em seu caminho."
Trecho do livro Around the Tarot in 78 Days, de autoria de Markus Kats e Tali Goodwin sobre esta carta.
Comments